terça-feira, 8 de setembro de 2015

Viva Maria faz história na luta pelos direitos das mulheres

Segmentação da programação da Rádio Nacional de Brasília

Entre o final da década de 1970 e inicio dos anos de 1980, ainda sob o regime de exceção, a programação da Rádio Nacional de Brasília passa por um processo de segmentação. O entretenimento baseado nos concursos de calouros, grandes shows e programas de auditório aos poucos vão sendo  deixados de lado. A programação  musical se torna plural abrangendo desde a música sertaneja ao rock´n roll que emergia na capital federal.
Com o objetivo de atender diferentes públicos e as diferentes camadas da sociedade surgem os programas Grande Parada Nacional, Geração Colorida, Encontro com a Tia Heleninha e o Viva Maria. 

A Estreia do Viva Maria
 
A apresentadora Mara Régia nos estúdios da Rádio Nacional
       Dentro desse processo de segmentação o programa Viva Maria, com apresentação de Mara Régia di Perna ao lado do locutor Luiz Adriano, entrou no ar em 14 de setembro de 1981, após dois comentaristas esportivos terem brigado no ar e serem demitidos. 
    Mara Régia di Perna havia começado sua carreira na Rádio Nacional de Amazônia, como produtora, em 1979. Ao voltar da licença maternidade em 1981 foi convidada pelo gerente da Rádio Nacional de Brasília, Eduardo Fajardo (foto abaixo), para ocupar o horário das 15 às 17 horas, que havia ficado vago. 

Ex-diretor da Nacional de Brasília conta o início da carreira da apresentadora Mara Régia e como nasceu a ideia do programa "Viva Maria". 
      Após receber o convite Mara não teve dúvida de que queria falar com as mulheres. A música “Maria, Maria”, composição de Fernando Brant e Milton Nascimento, foi escolhida para ser a trilha sonora do programa e se tornou símbolo das lutas femininas pelo rádio. 
      O nome Viva Maria nasceu depois de uma conversa da locutora Mara Régia com a primeira produtora do programa, Antonieta Negrão, inspirado no balé Maria, Maria que estava sendo apresentado em Brasília, pelo Grupo Corpo, de Belo Horizonte.
Eduardo Fajardo, ex diretor da Rádio Nacional de Brasília
    No inicio, o perfil da atração era mais a menos, mas não demorou muito para que Mara começasse a imprimir seu estilo ao falar para o público do campo e da cidade, levando noções de emancipação e sensibilização para a causa feminina.  
    Prova da importância do programa para as mulheres está no depoimento da brasiliense Maria Almeida, de 1987. Em entrevista concedida, a Deográcia Pinto, na época estreante na profissão de repórter, Maria Almeida conta que sentia vergonha do nome antes do Viva Maria.
 
Depoimento da ouvinte Maria Almeida (08.03.1987)
    O Viva    Maria teve momentos de lutas, ao abrir os microfones para os movimentos de mulheres que se fortaleceram com a criação do Fórum de Mulheres do Distrito Federal. Ainda durante a “ressaca” do regime militar, no período de redemocratização o Viva Maria encampou lutas, como, pela criação da primeira Delegacia de Atendimento da Mulher (DEAM), da capital federal, desencadeada pelo assassinato da estudante Thaís Muniz Mendonça. Thais foi morta a facadas no Campus da Universidade de Brasília, em 1987, e cujo namorado Marcelo Bauer foi apontado como principal suspeito (Conheça o caso). Essa fase do programa foi recordada pela radialista no ultimo dia 02 de junho, ao conversar com a ouvinte Joana de Jesus Oliveira (a Jô), de Brasília. 
 
Mara Régia recorda importantes momentos do programa e conversa com a ouvinte Jona de Oliveira que resgata o caso Thaís no Viva Maria (02.06.2011)
 
Das lutas a censura no governo Collor
 
    O programa fez campanha por amamentação, pela infância e juventude e fez o Lobby do Batom na Constituinte de 1988. Mesmo admirada por muitos Mara não conseguia agradar a todos, como os maridos que se revoltavam com as idéias da radialista e chegavam a fazer fila na porta da Rádio Nacional. Em maio de 1990, o primeiro presidente eleito pelo voto direto, Fernando Collor de Mello identifica Mara como uma “liderança negativa” e através de um telegrama a demite e proíbe a radialista de entrar na emissora, até então uma emissora estatal.
Mara Régia, em suas andanças pela Amazônia
     Em protesto a decisão de Collor, as mulheres latinas elegem o 14 de setembro, data de estréia do programa, como o dia da imagem da mulher nos meios de comunicação. Com o fim das transmissões pela Rádio Nacional de Brasília, Mara levou o programa para Rádio Capital, onde ficou de 1992 a 1994.
     O fim das transmissões do Viva Maria também repercute nas galerias do Congresso Nacional. A deputada constituinte, Moema São Thiago (PSD-CE), no Dia da Liberdade de Expressão (13/6/1990) presta homenagem ao programa, em seu discurso reproduz um artigo escrito por Tetê Catalão que havia sido publicado no Correio Brasiliense de 29 de maio de 1990.
Sr. Presidente, Sr" e Srs. Deputados, hoje, Dia Internacional da Livre Expressão, venho à tribuna não só para prestar minha homenagem aos que labutam nos meios de comunicação, como para denunciar o afastamento da radialista, amiga e lutadora feminista, Mara Régia di Perna, após 9 anos de luta à frente de "Viva Maria", na Nacional. E o faço através de belíssimo artigo escrito por Tetê Catalão, sob o título "Viva Marias", no qual, com imensa e justa revolta, segura seu grito para que as palavras escritas reproduzam com fidelidade e sensibilidade - tão típicas à Mara - a emoção comum, principalmente às mulheres de todos os estratos, em uma sociedade carente de justiça social. Eis o texto, publicado em periódico desta Capital, no dia 29 de maio:"Ave Marias Saudações! Cheia de graça, uma voz perde o microfone, mas não perde a frequência. Bendita és tu, por seres mulher. Entre todas as mulheres será sempre bendita aquela que não cala. Bendita será bem vinda! No ar, como arma suave de quem não usa a força, mas está sempre diante da brutalidade. Outras interrupções já foram sentidas. Outros impedimentos já foram decretados. Mas a cidade tem uma alma de erva teimosa que acha um buraco na couraça e brota. Viver Marias é mais fundo do que sobreviver arrogante, na eventualidade dos cargos. A mulher tem a concepção do sêmen.A mulher tem todas as aberturas do milagre para transmitir: ela recebe em sua sabedoria passiva e cria em condição permanente de nutriz. Em Mara, um grito poderia ser um' sussurro contra os muros. Um toque delicado poderia virar berro indignado com tanta hipocrisia. O rádio que nos irradiava. O dia sem poente. A vontade besta de servir nesta conspiração de cargos e "pequenos reinados", apodrecidos pela própria incompetência. O que será esta poda? Toda a vez que um trabalho ameaça realizar a força viva da cidade vem um tombo?Nossa indigência cultural chama-se descontinuidade. Chama-se interromper para dispersar. Mas não sabem, eles, que nossa raiz está lúcida na placenta do planeta. Está úmida de gozo para a prenha. Teimar e tentar.Condenados que somos a um eterno recomeçar.Mas o fruto amadurece, sob a falsa imagem da derrota. Por não terem rotas, nem programas, nem futuros brilhantes - apenas somos, como Mara. Candangos do sistema nervoso desta cidade.Não a cidade sitiada nem leiloada por vendilhões no templo, mas a cidade arca, arquétipo, luxo do espírito que um dia dirá: basta! Hoje é o dia dos anjos!Por isso, não choremos o breu. Temos brio. Um beijo, Mara.E Ave Marias, cheias de graça." À Mara mulher, mãe, feminina, amiga, batalhadora eficiente e profissional competente, meu irrestrito apoio, contra a violência praticada.Hoje, Dia Internacional da Livre Expressão, por seu intermédio, minha manifestação a todas as Marias, que tanto padecem os efeitos de injustiças pessoais e desinteresse geral.A voz de Mara jamais poderá ser calada, ainda que lhe seja fechado provisoriamente o espaço radiofônico. As vozes das muitas Marias, que a procuravam, continuarão à intercomunicar-se: mulher agredida versus delegada feminista; mãe em luto, perda de filho ou marido, versus psicóloga; comerciária despedida versus advogada trabalhista; jovem solitária versus desconhecida solidária. Seu coração sofria, junto com o padecimento da amiga ou interlocutora nunca vista, sem qualquer discriminação de raça, sexo, partido político, condição socioeconômica ou capacitação intelectual.Profundamente chocada com seu afastamento da Rádio Nacional, junto minha voz e comoção às de todas as demais Marias mulheres, esposas, mães ou não, em particular no exercício do mandato para o qual fui eleita Deputada Federal, como nordestina. (MOEMA SÃO THIAGO (PSDB- CE, 13 de junho 1990).
   Após a passagem pela Rádio Capital, por quase uma década o programa Viva Maria ficou silenciado, mas não a consciência de Mara Régia que continuou engajada nos movimentos feministas. A jornalista fez Rádio de rua, e em 1993 passou a produzir o quadro Natureza Mulher dentro do programa Natureza Viva, da Rádio Nacional da Amazônia.
Nova fase do programa

       Em 15 de julho de 2004, o Viva Maria voltou a ser apresentado na forma de programete, ou seja, com curta duração. Vai ao ar de segunda a sexta-feira, em diferentes horários, pela Rádio Nacional da Amazônia, pela Rádio Nacional de Brasília, pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro, pela Rádio Nacional do Alto Solimões.
 O programa também está disponível na internet,em http://radioagencianacional.ebc.com.br/tags/viva-maria, podendo ser ouvido em qualquer momento e até mesmo ser retransmitido por emissoras de todo o país.  
   Um dos momentos mais marcantes vivido pelo programa nessa nova fase foi o anuncio da criação da Lei Maria da Penha. Nesse contexto, o Viva Maria passou a ser um canal de conscientização das mulheres para fazer valer a lei 1.340 decretada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo ex-presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva em 7 de agosto de 2006.

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